São negros os dias.
O luto é a eternidade do tempo sem ti.
O adeus forçado, que é esta fúnebre tristeza pintada com laivos de revolta, é o fel que não se engole.
És o fantasma que passa e me atormenta, no frio que trespassa todas as camadas de ar e de pele até atingir a minha alma inglória.
Partiste, rasgaste os laços e foste, quase sem me aperceber, como um barco que rompe a água, no silêncio de um corpo que parte mais ligeiro que a mágoa.
E dóis-me em cada passo que dou nas ruas que percorremos juntos e em cada pormenor das coisas que olhámos.
E feres-me no som dos risos e das conversas que agora são mudas como um silêncio dormente e sepulcral.
E definham os pedaços de mim, dilacerados no côncavo vácuo de um abraço espectral…
A bruma avança para mim, e pereço com o que alguma vez sobrou de nós, rastos que se desprendem por entre os dedos, como purpurinas ao vento, e que nem roçam sequer uma centelha de magia quando passam pela ignorância dos outros.
[Os relógios estão avariados: pedaços de realidade embatem contra mim e em clamores sussurrantes afirmam que o tempo é veloz; mas eu (re)vivo tudo, hipnotizada pelos estalos de uma faixa num vinil riscado. Tento suprimir as memórias, tingi-las e apodrecê-las, mas elas não dissipam. Não sou capaz de as asfixiar, são como imagens num filme a passar, todos os minutos iguais.]
Nesta linha temporal amorfa, ainda permaneço na encruzilhada onde me deixaste. Ainda sinto o teu abraço indolente, ainda vejo a tua camisa manchada pelas minhas lágrimas, ainda desço a rua em passos atordoados ao som da chuva que cai, vezes e vezes sem conta… Meses passaram, a chuva volta (apesar de nunca ter deixado de cair). Meses passaram, o inverno volta (apesar de do meu corpo nunca se ter despedido).
Abandonaste-me. E agora abandonam-me até as viagens suicidas, as ideias de auto-destruição e as tentativas de arrancar-te esse véu estranho que te torna inatingível. O desprezo que me deste é um gigante a que não posso fazer frente.
Procuro ainda, nos teus olhos turvos, sinais do teu tempo e da tua realidade sem mim. A saudade torna-me um mártir e cada dia é um vazio. O vazio que se esconde entre aparências e fingimentos… Este vazio que tortura, este vazio que corrói, este vazio que mata…